O Senado Federal aprovou na última quinta-feira (29) Projeto de Lei que autoriza a quebra de patentes de vacinas, testes de diagnóstico, medicamentos, insumos e equipamentos necessários para o combate ao COVID-19. A proposta decorre do apensamento de dois PLs, 12/2021 e 1.171/2021, e prevê a alteração do artigo 71 da Lei nº 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.
O projeto prevê que se o titular da patente não atender às necessidades de emergência nacional ou interesse público, ou em caso de estado de calamidade pública, poderá ser concedida licença compulsória temporária e não exclusiva para a exploração da patente. Dessa forma, o titular seria obrigado a transmitir todas as informações necessárias à reprodução do objeto patenteado, incluindo a documentação necessária para concessão de registro pelas autoridades competentes.
O objetivo principal é licenciar compulsoriamente as vacinas e demais insumos para que sua exploração não se restrinja apenas ao titular da patente, aumentando a produção de todos os itens indispensáveis ao combate ao coronavírus e consequentemente ampliando sua oferta à população.
Do ponto de vista legal, o projeto apresentado se encontra em razoável consonância com o ordenamento jurídica brasileiro. A Constituição Federal consagra em seus artigos 5º e 6º, a saúde como direito basilar, sendo dever do Estado garantir o acesso universal e igualitário da população às políticas públicas de saúde. Também confere aos autores de inventos industriais proteção às suas criações, nos limites do interesse social e desenvolvimento tecnológico e econômico do país, não sendo uma proteção absoluta.
Assim, ao interpretar sistematicamente a Carta Magna, percebe-se a legitimidade da iniciativa parlamentar de quebra de patente das vacinas e demais insumos necessários para o combate à pandemia, que se traduz em uma verdadeira espécie de intervenção estatal na propriedade, em especial na seara industrial, em nome do interesse público e da situação emergencial vivenciada globalmente.
A proposta também não fere os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, em especial o acordo TRIPS (Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual), posto que este permite que os signatários adotem as medidas necessárias para proteger a saúde pública e promover o interesse público em setores de importância vital para o seu desenvolvimento socioeconômico, desde que compatíveis com o acordo. Ainda, o próprio TRIPS prevê a hipótese de uso do objeto da patente sem a autorização de seu titular, o que reforça a possibilidade legal da sua quebra ante ao cenário pandêmico, singularmente caótico, estabelecido há mais de um ano.
O texto agora retorna à Câmara dos Deputados e, se aprovado, trará um desafio para o Brasil: a criação, bem como o fortalecimento de uma estrutura adequada para conferir efetividade à quebra de patente. No projeto, uma forma de garantir a exploração eficiente dessas patentes está na concessão das licenças compulsórias apenas para instituições públicas, empresas privadas ou organizações da sociedade civil com efetivo interesse e capacidade econômica para produção do objeto patenteado.
Em contrapartida, não serão incluídas na lista formulada as patentes relacionadas aos produtos que já tiverem sido objeto de acordos de transferência de tecnologia, de forma que as vacinas Coronavac e Astrazeneca, as mais utilizadas no país, não serão contempladas com a quebra de patentes.
O Governo Federal deverá editar regulamento no prazo de 30 dias contados da publicação da lei – se aprovada – para o seu adequado cumprimento. Enfim, resta a espera no sentido de que esta ferramenta interventiva, ainda que legal, restará inócua caso não se tenha uma estruturação adequada para dar efetividade aos desdobramentos após as referidas quebras.
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